11 de maio de 2015

BLIND FAITH - BLIND FAITH (1969)


Blind Faith é o álbum de estreia – e único – da banda britânica de mesmo nome, o Blind Faith. Seu lançamento oficial aconteceu em agosto de 1969, pelo selo Polydor Records. As gravações ocorreram entre 20 de fevereiro e 24 de junho de 1969, nos estúdios Olympic Studios e Morgan Studios, em Londres, na Inglaterra. A produção ficou por conta de Jimmy Miller.

O Blind Faith foi uma banda de curta duração, mas que deixou um álbum impressionante na história do Rock. E, também, não é qualquer grupo que pôde contar com talentos como Steve Winwood, Ginger Baker e Eric Clapton.

Capa alternativa do álbum
Os primórdios da formação do Blind Faith surgem a partir de meados de 1968, com a dissolução do fantástico Cream.

Em retrospecto, com o grupo sendo considerado como o primeiro “super-grupo”, o Cream havia se tornado uma potência financeira, vendendo milhões de discos em poucos anos e elevou o repertório do conjunto (e de cada um de seus membros) à popularidade internacional.

Apesar desse sucesso, a banda estava se desmoronando internamente, especialmente por causa da animosidade recorrente entre Jack Bruce e Ginger Baker, com Eric Clapton atuando como mediador para manter o Cream unido.

Entretanto, Clapton havia se cansando de ficar estagnado no Blues Rock comercial e almejava uma nova abordagem musical, experimental, sem uma “camisa de força”, para o gênero.

Simultaneamente, Steve Winwood estava enfrentando problemas semelhantes no The Spencer Davis Group, onde ele havia sido o vocalista por três anos. Winwood queria experimentar com o som da banda, através da infusão de elementos do jazz, mas acabou deixando o grupo devido a suas diferenças musicais, optando por criar uma nova banda – o Traffic.

Essa banda se separou temporariamente em 1969 e Winwood começou a tocar com seu bom amigo Clapton, no porão deste último, em Surrey, Inglaterra. Winwood e Clapton já haviam colaborado no projeto "Powerhouse".

Clapton ficou satisfeito com as jam sessions, mas estava hesitante em iniciar um novo grupo. Então, Ginger Baker apareceu um dia para sentar-se com eles em 1969, e a banda tomou forma quase final.

Clapton ficou reticente em colocar Baker na banda, porque ele tinha prometido a Jack Bruce que, se eles fossem trabalhar um com o outro novamente, todos os três ficariam juntos outra vez.

Além disso, Clapton não queria se reunir com o Cream apenas nove semanas após a sua dissolução e também não gostaria de lidar com outra situação de estrelato, bastante semelhante com a do Cream.

Mas Winwood, em última análise, acabou convencendo Clapton a aceitar a presença de Baker no line-up, argumentando que o baterista reforçou a musicalidade da banda e que seria difícil encontrar um músico igualmente talentoso. Em maio de 1969, Ric Grech, baixista da banda Family, foi convidado a se juntar a eles.

Notícias da formação do grupo criou um burburinho de emoção entre o público e imprensa, a qual chegou a anunciar a banda como um "Super Cream". O grupo estreou em um show gratuito no Hyde Park, em Londres, em 7 de junho de 1969.

O desempenho foi bem recebido pelos fãs lá, mas incomodou Clapton, o qual pensou que a adulação era imerecida, lembrando de seus dias de Cream quando as multidões aplaudiam quase tudo.

Eric Clapton
Clapton, sabendo que a banda não havia ensaiado o suficiente e não estava preparada, estava relutante em sair em turnê e temia que o grupo se transformaria em uma repetição do Cream.

Steve Winwood estava sob contrato com a Island Records, tendo que ser "alugado" a Polydor Records (gravadora a qual Clapton e Baker estavam no Reino Unido). Possivelmente, como parte deste negócio, um single promocional foi lançado pela Island, embora a promoção fosse somente para a própria gravadora.

O single apenas anunciava o fato de que a Island Records estava mudando seus escritórios. Intitulado "Change Of Address From 23 June 1969", a promo unilateral contou com uma jam instrumental do grupo que não foi sequer mencionado na capa (cuja única outra informação era coisas como os novos endereço e telefone da Island Records).

O single foi gravado no Olimpic Studios, provavelmente em algum momento entre março e maio de 1969, estimando-se que cerca de 500 cópias do mesmo foram produzidas, sendo principalmente enviadas para DJs do Reino Unido e outros membros da indústria da música.

A canção foi finalmente lançada quando a mesma apareceu como faixa bônus em um CD duplo, "Deluxe Edition", do álbum Blind Faith, em 2000 (intitulada "Change Of Address Jam").

A gravação do álbum prosseguia, seguida de uma curta turnê na Escandinávia, onde a banda tocou em shows menores e os permitiam ensaiar seu som, preparando-os para públicos maiores nos EUA e Reino Unido.

Após a Escandinávia, a banda fez uma turnê nos Estados Unidos, fazendo sua estreia no Madison Square Garden, em 12 de julho de 1969, diante a mais de 20 mil pessoas. A banda excursionou por mais de sete semanas nos EUA, terminando sua turnê no Havaí, em 24 de agosto de 1969.

Um grande problema com a turnê foi que a banda possuía apenas algumas canções em seu catálogo - o suficiente para encher cerca de uma hora. Então, o grupo foi forçado a tocar músicas de seus antigos conjuntos, como Traffic e Cream, para o deleite de uma multidão que geralmente preferia seus materiais mais velhos e populares às novas composições do Blind Faith.

Assim, Clapton agora se encontrava exatamente onde ele não queria estar - preso em um "Super Cream" – o que estava causando tumultos durante seus shows ao vivo. Mais que isso, estava tocando o mesmo material de seus dias de Cream, para apaziguar o público e para preencher o vazio deixado pela falta de material do próprio Blind Faith.

Assim, a gravação do álbum foi interrompida pelas supracitadas turnês na Escandinávia e, em seguida, aquela pelos Estados Unidos entre 11 de Julho (Newport) e 24 de agosto (Hawaii), apoiada por bandas como Free, Taste e Delaney & Bonnie and Friends.

O LP foi gravado às pressas e o lado dois consistiu em apenas duas músicas, uma delas uma Jam Session de 15 minutos intitulada "Do What You Like".

O lançamento do álbum provocou controvérsia porque sua capa contou com o topless de uma menina púbere, segurando em suas mãos um objeto de prata alado, que alguns o percebiam como fálico.

A gravadora nos EUA remitiu-o com uma capa alternativa (que mostrava uma fotografia da banda na parte da frente), bem como a original.

A arte da capa foi criada pelo fotógrafo Bob Seidemann, amigo pessoal e ex-colega de apartamento de Clapton, e que é conhecido principalmente por suas fotos de Janis Joplin e Grateful Dead.

Seidemann escreveu que ele se aproximou de uma menina que possivelmente teria 14 anos, no metrô de Londres, e a questionou sobre a modelagem para a capa.

Steve Winwood
Eventualmente, o fotógrafo se reuniu com os pais dela, mas a garota se revelou demasiadamente velha para o efeito que ele queria. Em vez disso, a modelo usada foi sua irmã mais nova, Mariora Goschen, que se dizia ter 11 anos. Mariora inicialmente solicitou um cavalo como pagamento, mas em vez disso recebeu cerca de 40 libras.

Rumores bizarros vieram à tona com o lançamento do disco e foram alimentados pela controvérsia, incluindo que a menina era filha de Baker ou mesmo que seria uma groupie mantida como escrava pela banda, entre outras insanidades.

A imagem, intitulada "Blind Faith" por Seidemann, tornou-se a inspiração para o nome da própria banda, a qual estava sem nome quando a obra foi encomendada.

Vamos às faixas:

HAD TO CRY TODAY

O ritmo começa cadenciado, mas com uma pegada semelhante à que Eric Clapton fazia anteriormente no Cream. A melodia é suave, mas com o peso na medida exata. A seção rítmica preenche o ambiente, permitindo que o guitarrista exiba seu talento habitual, incluindo um solo vibrante em torno dos 3 minutos de execução e outro magnífico ao final da faixa. Belíssima canção!

A letra fala sobre amor e liberdade:

I'm taking the chance to see the wind in your eyes while I listen
You say you can't reach me but you want everyone to be free



CAN'T FIND MY WAY HOME

Uma leve, suave e envolvente melodia abre a menor música do álbum, "Can't Find My Way Home". A interpretação de Steve Winwood é tocante, fator determinante para a beleza incomum da canção e a sensação de profundidade que a mesma transmite. O aspecto acústico apenas exacerba a beleza da faixa.

A letra expressa o sentimento de mudança:

Come down off your throne
And leave your body alone
Somebody must change
You are the reason
I've been waiting so long
Somebody holds the key
Well, I'm near the end
And I just ain't got the time
Well, I'm wasted
And I can't find my way home

“Can't Find My Way Home” é uma das canções-símbolo do Blind Faith. Inúmeras são as versões cover que já foram feitas para a faixa, contando nomes como Gilberto Gil, Joe Cocker, Styx e Black Label Society.



WELL ALL RIGHT

Um ritmo simples e contagiante marcam a terceira canção do trabalho. Há a inevitável influência sessentista na melodia, com os vocais sendo divididos entre Winwood e Clapton. Winwood, inclusive, faz um vigoroso solo de piano no meio da execução. Destaque para o baixo de Ric Grech, bem proeminente.

A letra fala sobre as coisas triviais da vida:

Well all right, so I've been foolish
Well all right, let people know
About the dreams and wishes that you wish
In the night when lights are low

Trata-se de um cover da versão de “Well... All Right” gravada por Buddy Holly.



PRESENCE OF THE LORD

Poucas palavras podem definir a beleza de "Presence Of The Lord". Os vocais estão na mais perfeita harmonia com a parte instrumental, em um casamento sublime. A guitarra de Clapton executa uma melodia lindíssima, acompanhada com grande maestria pelos demais. No momento do magistral solo do guitarrista o ritmo se eleva, com andamento um tanto quanto mais rápido, voltando tudo à normalidade depois, com a voz impecável de Winwood e a guitarra de Clapton ao fundo. Espetacular!

A letra se refere à busca de um sentido para a vida:

I have finally found a place to live
Just like I never could before
And I know I don't have much to give,
But soon I'll open any door



SEA OF JOY

Bele, leve e tocante, assim é "Sea Of Joy", a qual conta com forte inclinação mais acústica. Os vocais de Winwood são novamente impecáveis e a guitarra de Clapton, quando aparece, brilha intensamente com o talento inegável de um dos melhores guitarristas da história. Mas o grande destaque é o lindo solo de violino, cortesia de Ric Grech.

A letra é uma metáfora pela busca da felicidade:

Once the door swings open into space
And I'm already waiting in disguise
Is it just a thorn between my eyes?
Waiting in our boats to set sail
Sea of joy



DO WHAT YOU LIKE

A sexta - e última - faixa de Blind Faith é "Do What You Like". Esta canção é diferente de tudo que o ouvinte presenciou até aqui. Com uma certa pegada progressiva, o grupo faz uma grande apresentação de seus talentos individuais, com solos magníficos de Winwood, Clapton e Baker. Fecha o álbum com grande estilo!

A letra é simples, com uma mensagem de liberdade:

Open your eyes
Realize you're not dead
Take a look at an open book
Do what you like, that's what I said
Do what you like



Considerações Finais

Após a turnê norte-americana supracitada, a qual terminou em agosto, a banda voltou para a Inglaterra cercada por rumores de dissolução ou de uma possível turnê pelo Reino Unido. Em outubro, o grupo havia efetivamente se dissolvido após um ano de sua criação e nunca mais gravou um outro disco de estúdio ou ao vivo.

Várias faixas ao vivo da banda podem ser encontradas no álbum The Finer Things, de 1995, sendo este uma retrospectiva da rica carreira de Steve Winwood. Outras gravações foram incluídas nas edições especiais, em CD, do Blind Faith.

O álbum fez um tremendo sucesso, atingindo o topo das paradas dos Estados Unidos e Reino Unido, fato impressionante!

Ginger Baker
Depois disso, Eric Clapton saiu dos holofotes, primeiro a integrar a Plastic Ono Band e, em seguida, fazendo uma turnê como apoio para o Delaney & Bonnie and Friends, de quem havia se tornado bom amigo durante a turnê norte-americana.

Assim, libertou-se dos holofotes os quais tinha considerado uma praga tanto para o Cream quanto para o Blind Faith. Após sua passagem como músico de apoio, levou vários membros do Delaney & Bonnie para formar um novo super-grupo, o Derek and the Dominos.

Clapton jamais deixou sair completamente de seu repertório as canções do Blind Faith, como "Presence Of The Lord" e "Can't Find My Way Home", sendo estas tocadas ocasionalmente ao longo de sua carreira-solo.

Ao contrário de Clapton, Ginger Baker adorou sua experiência no Blind Faith e criou um desdobramento da banda, na forma do Ginger Baker's Air Force, contando tanto com Grech quanto com Winwood.

Depois de alguns shows juntos, Winwood e Grech deixam o conjunto de Ginger Baker e vão para a Island Records com a finalidade de reformar o Traffic. Winwood, mais tarde, construiria uma carreira-solo de sucesso e Grech foi membro de vários grupos antes de sua morte, em 1990, devido a uma hemorragia cerebral.

Em julho de 2007, Clapton e Winwood se reuniram para uma participação durante o segundo Crossroads Guitar Festival, realizada no Toyota Park Center de Bridgeview (Estados Unidos), onde o duo tocou uma série de canções do Blind Faith como parte do repertório.

A partir de então, os dois fizeram várias apresentações em conjunto tocando o repertório do Blind Faith.

Winwood, Grech, Baker e Clapton

Formação:
Steve Winwood - Teclados, Vocal, Guitarra
Eric Clapton - Guitarras, Vocal
Ric Grech - Baixo, Violino, Vocal
Ginger Baker - Bateria, Percussão, Vocal

Faixas:
01. Had to Cry Today (Winwood) - 8:48
02. Can't Find My Way Home (Winwood) - 3:16
03. Well All Right (B.Holly/J.Allison/JB Mauldin) - 4:27
04. Presence of the Lord (Clapton) - 4:50
05. Sea of Joy (Winwood) - 5:22
06. Do What You Like (Baker) - 15:20

Letras:
Para o conteúdo completo das letras, recomenda-se o acesso a: http://letras.mus.br/blind-faith/

Opinião do Blog:
A reunião de talentos extraordinários como Eric Clapton, Steve Winwood e Ginger Baker, além de Ric Grech, não poderia ter um resultado ruim. Mas a qualidade do material produzido é tão fantástico que marcou a história do Rock de maneira poucas vezes igualada.

Clapton ficou empolgado com o surgimento do Blind Faith, mas a presença de seu ex-colega de banda, Ginger Baker, um baterista de qualidade incrível, mas altamente problemático, decretou o grupo como um natimorto. A presença de Baker fez Eric Clapton reviver todos os problemas que levaram ao fim do Cream.

Mas é interessante notar que a estrela mais brilhante do Blind Faith é Steve Winwood, com sua voz belíssima e atuação impecável, tanto nos vocais quanto como instrumentista, além de assinar metade das composições presentes no trabalho. Sem Winwood, dificilmente o álbum Blind Faith seria marcante como o é.

Claro que Eric Clapton brilha com sua guitarra, com solos e riffs que marcam um dos melhores guitarristas que o mundo já viu. Ginger Baker também está incrível - seu solo em "Do What You Like" é fantástico. O mesmo pode ser dito quanto à qualidade do trabalho de Ric Grech.

As letras são boas e enriquecem a obra.

Com apenas 6 faixas e todas não menos que brilhantes fica até difícil apontar destaques. Claro que há sempre menção ao sucesso de "Can't Find My Way Home", música de um bom gosto raríssimo e sutileza tocante. Assim como todo o talento virtuoso de "Do What You Like", um presente para todos os ouvidos.

Também não há como não destacar a beleza deslumbrante e comovente de "Presence Of The Lord", uma das mais belas composições de todos os tempos.

Enfim, com gênios como Steve Winwood e Eric Clapton envolvidos, dificilmente um álbum não seria incrível como Blind Faith o é. Mais que obrigatório e clássico, o disco único do grupo é peça essencial para admiradores do Rock, uma obra-prima de primeira grandeza. Apenas fica o lamento da duração efêmera da banda e o sonho de quantas outras peças de artes ela poderia ter construído.

6 comentários:

  1. Estava justamente isso. Uma crítica de fantástico álbum.

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  2. O único LP do Blind Faith é muito bom, mas, na minha opinião, é um pouco abaixo da soma das partes. A parceria entre Winwood e Clapton tinha tudo para render mais, mas a banda foi forçada a sair cedo demais do seu casulo - e aí suas asas não eram fortes o bastante para ela voar. A perspectiva de um novo supergrupo após o fim do Cream era atraente demais para os empresários e a gravadora deixarem passar, e o resultado é que a banda não estava pronta para se apresentar ao vivo. Ainda assim, o DVD com o show no Hyde Park é muito bom, e a Deluxe Edition do álbum é mais do que válida. Minha edição em CD data do início dos anos 90 e traz duas músicas que Ric Grech gravou, com acompanhamento da banda, para um potencial trabalho solo - como essa edição foi recolhida a pedido de Clapton, hoje é uma raridade (mas, para ser honesto, as músicas adicionais não são lá essas coisas!). "Can't Find My Way Home" e "Presence of the Lord" estão entre as maiores maravilhas compostas no final dos anos 60! E é interessante ver como a versão do Santana para "Well Alright" copia a do Blind Faith, a propósito!

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    1. Bom, eu amo profundamente este álbum. Eu sinto muito que a banda não pode, por diversas razões, seguir adiante, mas o que ela produziu me agradou demais. Clapton com Winwood foi tão mágico quanto Clapton e Duane Allman...

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  3. É verdade,,, Aquele CD/DVD gravado em 2007 é um daqueles shows que eu sempre vou babar de inveja de quem esteve lá. Acho que teria sido melhor para o Clapton se ele tivesse entrado no Traffic em vez de formar uma nova banda - afinal, se ele podia ser guitarrista para Delaney & Bonnie, por que não poderia ser para Winwood-Wood-Capaldi?

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